(Foto: Nenad Radovanovic)
(Foto: Nenad Radovanovic)

Todos na vida temos momentos mágicos, que mexem conosco, nos revelam uma missão pessoal e nos impulsionam a agir. Rose Guazzi não esperava que após 23 anos de arquitetura, transitando pelos ambientes sofisticados que caracterizam a profissão, se deparasse com esse chamado num quarto apertado e repleto de treliches. O destino quis assim e ao ver a realidade de jovens que dormiam nesse espaço e se sensibilizar com a falta de individualidade, ela mergulhou de cabeça em um projeto de transformação que já está fazendo história em Curitiba.

O projeto Mueller Ecodesign Social começou como uma mostra de sustentabilidade. Após seis anos de sucesso, a diretoria do Shopping solicitou a Rose que o trabalho se voltasse para um olhar social, que pudesse realmente fazer a diferença na vida das pessoas. No ano passado, ao receber o convite da Presidente da Fundação de Ação Social (FAS), Márcia Fruet, para conhecer a Casa do Piá 1, percebeu a necessidade dos meninos, e entendeu que com a ajuda de alguns amigos especiais conseguiria dar início a essa nova fase do projeto.

Com o apoio do arquiteto Marcelo Calixto, seu sócio e também coordenador do projeto, convenceu amigos de oito escritórios de arquitetura a encarar a empreitada e em três meses de obra entregou uma casa totalmente reformada. Os meninos que viviam em um abrigo agora tinham um lar. Os treliches foram substituídos por camas individuais e, no máximo, beliches, e todos os ambientes agora convidavam ao convívio e à sociabilização.

2015 chegou e agora a missão é outra, a Casa das Meninas do Novo Mundo. O projeto cresceu, conta com 150 pessoas envolvidas, destas 28 arquitetos. Rose está com ainda mais energia e segurança para coordenar essa corrente do bem.

Em muitos momentos da entrevista a emoção tomou conta e, com os olhos cheios de lágrimas, ela lembrou de como a realidade daquelas meninas a faz maior ao enxergar o valor das pequenas coisas. A força das meninas, a solidariedade dos empresários e dos profissionais e uma possibilidade de transformar a realidade, a faz crer tudo é possível quando se coloca a mão na massa.

Entrevista_Rose3

COMO O PROJETO QUE COMEÇOU COMO UMA MOSTRA TOMOU ESSE RUMO?

A mostra se transformou no Projeto Mueller Ecodesign Social por já ter cumprido o seu papel de informar e educar sobre a questão da sustentabilidade. O shopping queria algo a mais, queria deixar um legado para a comunidade e levar o conceito da sustentabilidade para espaços reais, amparando diretamente o público. Foi neste momento que procurei a Márcia Fruet, presidente da FAS, e fechamos esta parceria maravilhosa.

QUANTAS PESSOAS ESTÃO ENVOLVIDAS NO PROJETO ATUALMENTE?

Hoje são aproximadamente 150 pessoas. São 19 escritórios, sendo 28 profissionais, além de mim e do Marcelo Calixto, que também é coordenador técnico. É uma iniciativa única no Brasil e é extremamente gratificante vê-la tomando forma e ganhando força a cada ano. Nesta edição me surpreendi com o número de pessoas querendo ajudar de alguma forma. Tem um pedreiro que está fazendo um piso de graça no lar das meninas. Eletricista que está trabalhando a preço de custo. O projeto fez uma mobilização geral.

QUAIS OS RESULTADOS DA PRIMEIRA EDIÇÃO DO PROJETO? 

No ano passado o projeto atendeu a Casa do Piá 1, beneficiando cerca de 20 meninos que moram no local. A instituição tinha uma evasão de uma a duas crianças por mês e desde que entregamos a casa ninguém fugiu. Apenas para se ter uma ideia, a primeira vez que fui visitar esta instituição foi em maio de 2014. As camas em que os meninos dormiam eram treliches. Ver aquela cena foi muito triste, pois comecei a pensar na opressão emocional que aquelas crianças passavam. Crianças que já foram abandonadas pelos pais ou excluídas de alguma forma pela sociedade e ainda tinham que chegar ao abrigo e escolher alguma daquelas camas para descansar… Muito triste. Hoje os meninos têm o seu espaço, a sua cama, um lar… Não faz mais sentido fugir.

MUITO MAIS QUE TRANSFORMAR OS ESPAÇOS O PROJETO TRANSFORMA VIDAS?

Com certeza! A intervenção do espaço está diretamente ligada ao conforto emocional e físico do ser humano. Como falei, as crianças atendidas no ano passado têm um espaço só delas. Assim que entregamos a casa, os meninos foram para o computador e cada um imprimiu o seu nome em um papel para colocar em uma cama. Eles resgataram a sua individualidade, eles conquistaram o seu espaço. Quer algo mais gratificante e transformador que isso?

COMO SENSIBILIZAR OS EMPRESÁRIOS PARA QUE APOIEM O PROJETO?

Tudo começa na mudança de abordagem. No início estávamos um pouco inseguros, mas depois que visitamos as instituições e conhecemos a necessidade das crianças a ideia foi se formando de uma forma tão clara que não tinha como não dar certo. Hoje não pedimos doações apenas. Nós mostramos que existe uma casa com crianças que estão passando por necessidades e que precisamos intervir desta maneira. Ao conhecer a realidade, não tem como não participar.

COMO VOCÊ SE APROXIMOU DAS CAUSAS SOCIAIS?

Meu pai é rotariano e a minha mãe sempre foi diretora de creches, portanto realizar ações sociais não era um ambiente totalmente desconhecido para mim. Mas eu nunca tinha feito nada neste sentido aqui em Curitiba. Este projeto é o primeiro que coloco realmente a mão na massa. Digamos que eu tinha uma sementinha dentro de mim e estava sem regar. Agora voltou com força!

COMO ESTA INICIATIVA TRABALHA A QUESTÃO DE TRANSFORMAÇÃO HUMANA?

É importante ressaltar que as crianças atendidas pelo projeto estão em estado de vulnerabilidade social. Abuso sexual, abandono e envolvimento com tráfico, são alguns dos motivos que fazem com estas crianças estejam nestes abrigos. Para começar, a gente não tira as crianças dos espaços para fazer a transformação, pois acreditamos que este processo vai impactar diretamente no resultado que queremos.

COMO ASSIM?

Ao ver o número de pessoas envolvidas no projeto, a dificuldade que os profissionais encontram durante o processo, o tipo de material utilizado, elas começam a perceber o que de fato está acontecendo a sua volta. Elas percebem naturalmente que existe um futuro fora daquela instituição, pois existem pessoas e que estão ajudando e estão mostrando que existem alternativas na vida. Existem perspectivas e nem tudo está perdido.

O QUE AS MENINAS PODEM ESPERAR APÓS ESSE PERÍODO DE OBRAS?

Quando entregarmos a casa para as meninas elas vão acordar no dia seguinte e perceber que realmente tudo ali é novo. Os quartos, os banheiros, tudo vai estar revitalizado e transformado para atender as necessidades de quem mora ali. As meninas vão sentar na sala de refeição que foi toda pensada para aguçar e estimular que ela vá para a escola mais feliz… Quando elas voltarem da escolha terão um espaço para estudar, uma biblioteca para fazer sua pesquisa nos computadores. Não preciso nem reforçar isso, pois todos sabemos que uma criança se desenvolve melhor na escola quando tem um bom espaço para estudar. Estas meninas vão deixar de chegar a um abrigo e vão chegar ao seu lar. Esta é a mudança mais profunda que vamos deixar na vida destas crianças.

O QUE VOCÊ TEM GANHO COM ESSA EXPERIÊNCIA?

É meio chavão dizer que agradeço pela casa que eu tenho quando chego depois de um dia de trabalho no Lar das Meninas. Pode até ser, mas é a verdade. Eu tenho ganhado muita experiência com este projeto, porque estas meninas de 12, 13 anos já sofreram coisas que eu nunca vou sofrer e nunca vou ver na minha vida. Tem lugares que elas viram e passaram que eu nunca vou entrar. Por isso, compreender estas histórias de vida é essencial para dar valor às coisas que a gente tem.

QUAL O FUTURO DO PROJETO?

Hoje o projeto que começou no Shopping Mueller ficou muito maior, virou uma corrente do bem, uma iniciativa que deu certo e que vamos lutar para que continue crescendo. Quem sabe uma próxima mudança será de atender mais de um lar por ano.

QUAL A GRANDE INSPIRAÇÃO QUE GOSTARIA DE PASSAR COM ESSE TRABALHO?

Gostaria de mostrar que é possível. O Brasil está passando por um momento muito delicado e vivemos em uma grande crise política e econômica. Parece que quando a crise chega, as pessoas têm mais fé. Quando maior a crise, mais fé o ser humano tem, pois mais ele pede. Independente da religião que a gente pratique, a bondade sempre está presente e com bondade tudo é possível.