Marília Gabriela se entrega ao trabalho, aos amores e à vida com uma coragem inspiradora. E aí, vai encarar?
POR Luís Fernando Carneiro | FOTO Divulgação
Entrevistar Marília Gabriela é algo tão surreal quanto dar bênção ao Papa. Acostumado a assistir a suas inúmeras entrevistas, transmissões internacionais como correspondente da Globo em Londres, ou mesmo eventos históricos como o debate presidencial em 1989, esforcei-me para não parecer mais um fã. Não sei se consegui. Afinal, como jornalista, é impossível não admirar a carreira desta mulher que transcende a notícia e extrai de seus entrevistados muito mais do que eles vêm dispostos a falar.
Quem fica frente a frente com Gabi no começo treme, mas depois se hipnotiza por aqueles olhos azuis gigantes (sem falar do vozeirão); é nesta hora que ela avança, questiona, reflete e oferece ao telespectador algo diferenciado. Não é suco de laranja, é vitamina C.
Nos últimos tempos, uma de suas entrevistas mais marcantes foi com Rafinha Bastos, o polêmico comediante que saiu do CQC da Band após uma piada de gosto duvidoso sobre a cantora Wanessa e seu bebê. Após insistentes questionamentos, Gabi desnudou a prepotência de Rafinha, que chegou às lágrimas, revelando em rede nacional que também é gente.
Outro momento marcante foi a carinhosa entrevista com seu ex-marido, Reynaldo Gianecchini, após a vitória contra o câncer. Impossível não se emocionar com o respeito entre os dois e com uma conversa que só a intimidade é capaz de revelar.
No início da entrevista apresentei a VIVER como a revista curitibana feita exclusivamente para mulheres. Sem falsa modéstia ela disse: “se tem algo que fiz a minha carreira inteira foi falar para as mulheres. Vamos lá!”.
Quando você percebeu que havia desenvolvido este “dispositivo” para extrair um pouco além do que as pessoas dizem no dia a dia? Aliás, você consegue definir como isso funciona?
Sabe que eu nunca pensei nisso? Talvez a minha carreira tenha dado certo porque nunca teorizei sobre o que eu faço. O que eu sei é que tenho instinto indagador. Adoro fazer perguntas, por isso mesmo as vezes tenho medo de me tornar uma chata. Mas gosto mesmo é de exercitar essa curiosidade, de perceber contradições e evidenciar minhas dúvidas. Acredito que as pessoas me respondem um pouco mais talvez porque percebam a minha curiosidade sincera e a minha boa fé.
Uma entrevista é uma via de mão dupla?
Com certeza. Quando você pergunta, també se expõe. Você se desnuda e revela algumas opiniões e até mesmo preconceitos.
Muitas vezes percebemos que você suas entrevistas são quase uma análise em rede nacional. É isso que lhe difere como entrevistadora?
Anos atrás um crítico, um coleguinha jornalista, escreveu na Folha de São Paulo que minhas entrevistas eram um ‘simulacro de uma sessão de psicanálise’. Acredito que os analistas até devem ter se ofendido, mas eu achei que o crítico tinha razão. Com o passar dos anos e com as muitas horas de terapia, acredito que acabei ficando com o costume de ir um pouco além da entrevista.
Essa acabou virando uma marca registrada?
Não sei se uma marca, mas como sou uma analisada eterna, acredito que toda pessoa tem uma história por trás de uma situação evidenciada que todos conhecem. Com o passar dos anos, percebi que as pessoas gostam desta forma de entrevistar, de, por um instante, entrar na intimidade dos entrevistados.
Você leva trabalho para casa? Alguma entrevista já foi discutida no seu analista?
Não, no analista pago caro para falar das minhas misérias. O problema dos meus entrevistados eu deixo para eles resolverem (risos).
Li uma entrevista na qual, perguntada sobre seus ex-maridos, você declarou que “quem ama com coerência é para o resto da vida”. O que isso quer dizer exatamente?
Quando você se apaixona, deve ter a consciência que está comprando um pacote cheio de delícias e imperfeições brutais. Comprei esse pacote a cada relacionamento que assumi e eles também compraram o meu. Acho que nisso tudo é preciso ter coerência. Tivemos filhos, vivemos bons e maus momentos e isso tudo não termina quando termina o casamento. Amar é aceitar e ser suave, inclusive no fim. Por que sair atirando pedras quando a relação acaba?
Pelo carinho outro dia em uma entrevista sua com o (Reinaldo) Gianecchini, essa forma de pensar parece ser correspondida pelos seus ex…
Com certeza. Meus ex-amores são meus amores e sei que são pessoas que me respeitam e gostam muito de mim até hoje. Acho que conviver é isso.
O seu livro “Eu que Amo Tanto” nasceu do depoimento de treze mulheres que frequentaram as sessões do grupo de apoio Mulheres que Amam Demais (Mada). Qual a maior reflexão que essa experiência lhe trouxe?
A cada mulher que eu entrevistava eu ficava surpresa com as nossas semelhanças. As mulheres são realmente muito parecidas. Esse livro foi importante para perceber como somos iguais e como por algum defeito essa obsessão, quase loucura, pode acontecer com a gente. Outra coisa que ficou clara é que o sexo não é o mais importante. Toda vez que caíamos nesse assunto elas não davam muita atenção. O foco da questão é a afetividade, carinho, a atenção.
Esse trabalho pode levar a outro?
Adoraria ter feito um livro igual com homens, mas não consegui ninguém para falar desse assunto. Homens são quase o inverso. Sobre sexo gostam de falar, mas se fecham para falar sobre carinho, afeto e essas coisas do coração. Botei na internet, alguns colunistas amigos meus publicaram e os únicos homens que me procuraram eram gays, mas aí já seria outro livro. Eu precisava de um quadro mais amplo, mas para os homens heterossexuais nao é muito facil falar sobre as suas relações.
As mulheres são realmente diferentes?
Ah, com certeza! Nós mulheres somos raciocínios intrincados. Não sei como classificar, mas realmente somos difíceis. Bom, se Freud não conseguiu entender, quem somos nós para nos arriscar. Já os homens são mais simples, mais práticos e, por isso mesmo, deliciosos. Como dizia um ex-marido meu, comida e colo e já está tudo bem. Incluído neste colo o sexo, é claro.
Há uma frase de Baudelaire que diz que “só nos esquecemos do tempo quando o utilizamos”. Pela quantidade de atividades que você desenvolve, nem preciso perguntar se esta é uma receita de estar tranquila numa fase em que tantas mulheres vivem crises de idade.
Nao sei se é a receita, mas comigo isso funciona muito bem. Eu sempre fui de achar a minha vida um tédio. As pessoas diziam: “essa mulher é maluca mesmo. Tem uma rotina dessa e acha que não faz nada”. Mas eu realmente achava que minha vida passava depressa demais e isso me deixava extremamente triste.
E como colocou as coisas em ordem?
Em 2008 comecei a escrever um diário, à mão mesmo, nada muito grande, um moleskine, resumindo pensamentos e atividades e comecei a perceber o quanto minha vida, mesmo nas pequenas coisas, tinha sido intensa. Hoje já estou no quinto livro e vejo que muita coisa aconteceu. Essa foi uma solução simples e muito eficaz e recomendo a todos.
Você é jornalista, apresentadora, atriz, cantora, escritora… A impressão que se tem é que você se joga nas atividades e curte o momento, sem se preocupar tanto para o perigo da exposição. Quais os cuidados que toma para não se machucar?
Não leio a crítica, essa é a minha maior proteção. Mas pode me chamar de aventureira sim. Se calcular demais, os riscos deixam de ser riscos e perdem todo o sabor. Eu me atiro, cedo a vontades. Pode ser que alguma, ou muita coisa, dê errado, mas não vou perder de viver grande parte da minha vida por delicadezas. Estou aqui para isso, para viver, para descobrir o mundo e me descobrir.
Você não para?
Nao me faça parar que vai me dando um sufoco. Zeca, o meu segundo marido, na primeira noite que saímos, me conquistou de uma forma bem diferente. Ele disse: voce é uma vaca bagual. Dei um tempo para que ele se explicasse antes de dar um tapa nele e então ele disse que vaca bagual é aquela que se foge do rebanho, fica livre, e se for pega de novo, pode sufocar e morrer. Com essa comparação ele me conquistou e me prendeu por 10 anos. Eu sou assim, não consigo parar.
Não vou perder a oportunidade de pedir uma frase sua para terminar.
Gosto muito de um soneto do Mario Quintana, sobre a eterna procura.
“Só o desejo inquieto, que não passa,
Faz o encanto da coisa desejada…
E terminamos desdenhando a caça
Pela doida aventura da caçada”.