VIVER conecta COM MARCOS PIANGERS
Sempre que eu penso na diferença entre uma casa e um lar, me lembro de uma
história que aconteceu com a gente no Rio de Janeiro. Era 2016, eu lançava meu segundo livro, minha esposa lançava seu primeiro, e a editora alugou um apartamento em Copacabana para passarmos alguns dias. Iríamos fazer a noite de autógrafos na livraria Travessa do Shopping Leblon, um dos mais charmosos da capital carioca. Chegamos no Santos Dumont empolgados com a possibilidade de estar perto da praia e perto de amigos que não víamos há tempos. Aquele frescor da natureza carioca, misturado com aquela confusão do trânsito e dos ambulantes, nos enchia de excitação. Quando chegamos no apartamento, porém, nossa empolgação se frustrou. Era um imóvel antigo que estava fechado há tempos, um sofá mofado na sala, um armário velho no primeiro quarto, uma cama apertada no segundo quarto, uma cozinha melancólica com uma solitária geladeira branca, um
banheiro vazio com box de cortina. A simplicidade do local não me incomodou, mas o cheiro de mofo sim. Pensei em ligar para a editora reclamando do tratamento que
estavam dando ao seu nobre autor. Ora vejam, nossos livros estavam entre os mais vendidos do Brasil, o lançamento teria vinho branco e canapés, e ali estávamos nós em um cafofo humilde e úmido. As meninas, como sempre, correram para a minúscula cama do segundo quarto para pularem no colchão, um clássico que chamamos de “exercício pós-viagem de avião”. Eu e minha esposa nos olhamos, abrimos as janelas do apartamento, verificamos a possibilidade de cozinharmos algo para jantar, abrimos as malas na sala, nos preparamos para tomar banho. Alguns minutos depois, as meninas estavam no chuveiro, brincando e brigando.
Pelo chão do banheiro, roupas sujas e calcinhas, tênis e meias jogados, nossas necessaires em cima da pia, escovas de dente rosas e roxas e pastas de dente da Ladybug. Na cozinha, achamos e preparamos um miojo, que comendo rindo da nossa pequena desgraça. A risada das meninas foi preenchendo o apartamento. As roupas jogadas pelo chão foram nos aproximando de casa. Nosso cheiro foi substituindo o cheiro de mofo, a umidade foi saindo da casa e o barulho do trânsito da Avenida Nossa Senhora de Copacabana foi entrando, de forma que nos sentimos por alguns segundos legítimos cariocas, em nosso apartamento velho, em nosso edifício com portão na calçada, com nosso porteiro simpático, com nosso vendedor de frutas na esquina. E dormimos juntos e amontoados naquela cama minúscula do segundo quarto, com a janela aberta e com a brisa que balançava uma cortina branca e fina. E era como se morássemos ali faz tempo, como se soubéssemos a história daquele apartamentinho, seus defeitos e qualidades, como se já soubéssemos dos seus problemas hidráulicos e quais eram os vizinhos mais chatos do prédio. E, por uma semana, aquele espaço não foi só o apartamento de alguém. Foi nosso lar.