Conhecemos a casa e algumas histórias do chef Lênin Palhano para descobrir um pouco das referências que tornam sua cozinha única

Na primeira vez que fui apresentado ao Lênin Palhano, pela jornalista Marian Guimarães, ele tinha acabado de descer do palco, após receber o Prêmio Topview,
como Chef Revelação do ano. Na época, acho que quatro anos atrás, ele estava à frente do restaurante Nomade. Na verdade, fui descobrir posteriormente, o prêmio era mais um de uma sequência que incluía outros, como melhor chef e melhor
restaurante nos principais prêmios paranaenses de gastronomia. Acumulava também um reconhecimento nacional: havia sido selecionado entre os onze jovens
chefes mais promissores do país, pela revista GQ, sendo o único fora do eixo Rio-São Paulo. Lembro de ter comentado com a Marian, logo que ele sumiu no meio da multidão, “mas Marian, é um piá.” Pudera, tinha 31 anos, dez a mais do que quando saiu da casa da Claudia, mãe dele, em Londrina. Foi aos 21 que o Lênin veio para Curitiba morar numa pensão para estudantes. Almejava tentar outra faculdade
– tinha estudado turismo por dois anos – e, para poder morar numa república e custear os estudos, foi lavar louça no Spoleto. A convivência no ambiente da cozinha foi determinante na decisão de estudar Gastronomia. Formou-se na primeira turma da Opet. A partir de então, uma sequência de trabalhos em restaurantes de primeira linha, muito estudo e mais alguns reconhecimentos pavimentaram o caminho que ele vem perseguindo. Atualmente à frente do Obst.Lugar, estabelecimento idealizado por ele, o Lênin que caminha para a maturidade parece trazer no colo o menino que passou a infância entre Jataizinho, Vilhena-RO e Londrina.

A Primeira Entrevista

Quando fiz a primeira entrevista com ele, para a Tutano Gastronomia, descobrimos que somos vizinhos de rua. Outra descoberta foi a de que frequentávamos o mesmo boteco dobrando a esquina. Entre rodadas de cerveja e petiscos dividindo o balcão, o Lênin passou a elaborar sobre a vida que não havia sido revelada nas entrevistas. Sobre a dieta do Lênin menino, fiquei sabendo que a Claudia, mãe
dele e uma pessoa extraordinária, trabalhava muito. “Sempre comemos muita porcaria em casa: chips, Danoninho, vina…” revelou-me ele, diante de um punhado de rolmóps. “Ela não gostava de quase nada e cozinhava fígado, carne mal passada. A minha mãe não gosta de porco”, disse o Lênin uma vez, enquanto roíamos pedaços de torresmo no Bar do Toninho. Assim, ainda morando com a mãe, viu-se
na situação de ir para a cozinha quando queria comer algo mais parecido com a culinária do avô, Seu Claudio Palhano. “Frango frito é a maior recordação que tenho da culinária dele”, resgata o Lênin, que não tem nenhum prato favorito, mas momentos e lugares. Na casa da avó, Dona Icléa, gosta de comer bife acebolado, arroz, feijão e salada de alface e tomate. Ela segue morando em Jataizinho, próxima
do rio Tibagi.

PESCARIA NA LOCA

Era no Tibagi que o Lênin, criança, mergulhava para fazer “pescaria na Loca.” Resumindo, é mergulhar sem snorkel ou cilindro e, literalmente, enfiar as mãos nas
tocas dos peixes que se escondem nestes buracos submersos na margem do rio. O objetivo é pescá-los sem o auxílio de vara ou qualquer outra ferramenta. Sob este aspecto, pouca coisa mudou na vida do Lênin. Ele segue adorando viver em contato com o campo, com os rios e o mar. É, para ele, muito natural se aproximar do produtor e aprender, in loco, sobre boa parte dos produtos que utiliza na cozinha. Em um almoço na casa do Lênin, ele tirou um pato inteiro, depenado, de dentro da geladeira. Segurando pelo pescoço da ave, me mostrou com orgulho o bicho que só faltou fazer “quac” antes de ir pra panela. Era um dos prêmios da “expedição” com o time de cozinheiros do restaurante. Tinham passado a tarde anterior em um
sítio perto de Curitiba. Apanharam, abateram e depenaram patos. Programaço para o Lênin. Vendo minha expressão de luto, ficou preocupado. Não precisava. Já encarei ele, o Igor Marquesini e a Caroline Pazinatto, na época cozinheira do Nomade, destrinchando um porco Moura inteiro na minha frente. Aguentei firme. Sou durão.

OBST.LUGAR E OS PLANOS FUTUROS

Na mesma estante da biblioteca, post-its cheios de anotações registram as ideias que pipocam ininterruptamente. Entre elas, ao longo da pandemia, um projeto há muito planejado saiu do papel: o Obst. não é um restaurante, mas um Lugar. É ali que Lênin Palhano consegue realizar muito do que vem aprendendo vida afora: o Obst. abriga o que ele chama de “cozinha de produto”, uma adega ímpar e o Bar onde o bartender José Swaiger prepara coquetéis tão iconoclastas quanto o Punch Clarificado que ele desenvolveu. Sobre as paredes e no mobiliário, arte e design provam que poderíamos estar em qualquer parte do mundo. A própria cozinha aberta e as receitas que saem dali falam do campo, da cidade, dos rios, mares, de tempos idos e de tempos vindos. E não para por aí. Ao longo deste ano e do próximo, novas operações por Lênin Palhano surgirão em Curitiba. A criatividade dele precisa de terreno para ser explorada. Ele é, também, um sujeito caseiro.
Embora fique muito na rua, por causa do trabalho, o Lênin tem duas casas. A
dele, onde mora, e o Obst., onde recebe impecavelmente. Deve ter aprendido um
pouco com os avós, um pouco com os pais e um pouco no Nomaa, hotel conceito
que abriga o restaurante Nomade, onde trabalhou por seis anos. O Lênin aprendeu
a cuidar bem do lar e tornou-se excelente anfitrião. Segunda casa de um solteiro que mora sozinho, o Obst. foi pensado para ser uma espécie de sala de estar. Ali as pessoas se instalam, comem e bebem maravilhosamente bem, falam de viagens, da vida, e se embriagam de música e arte.

ESPÍRITO AVENTUREIRO

Além das viagens, andar de moto é outro hobby do Lênin. Uma vez ele
tentou pilotar sozinho até o Deserto do Atacama, às vezes ele precisa deixar tudo por uns dias e exercer o lado eremita. Não deu certo. Por conta de uma adaptação mal sucedida na moto, ele perdeu estabilidade, caiu a mais de 120 por hora, quase
foi atropelado por uma camionete na Argentina, e voltou todo remendado para Curitiba. É o menino que ele traz tentando assumir o homem. Rock clássico e literatura são mais duas paixões. Lênin Palhano ouve muito Pink Floyd, The Doors e Led Zeppelin quando consegue estar em casa. Na vasta biblioteca pessoal, livros sobre gastronomia.

O Homem e o Menino
Ao ser convidado pela Viver Curitiba para escrever um “perfil mais pessoal” do chef Lênin Palhano, pensei que eu não daria conta. Ele é uma criatura que vive com sede de conhecimento, estudo, informação, que não descansa enquanto não vê cada sonho realizado. Acho o Lênin precoce, um professor generoso e paciente na maioria das vezes. Humilde, convive com pessoas de alto poder aquisitivo sem perder a simplicidade. Ao mesmo tempo é este menino que passou anos vivendo
com a mãe e os avós em Jataizinho, mergulhando no rio, pescando com as próprias mãos. Uma vez ouvi uma cantora falando no rádio e me lembrei dele. Ela dizia que sentia como se a adulta que ela se tornou trouxesse, no colo, a criança rebelde que
havia sido. Que sabia, porém, que se aproximava o dia da maturidade, quando ela deixaria a criança descer, que olharia nos olhos dela e diria “está tudo bem, eu estou aqui, sempre cuidarei de você.”